Definindo e praticando a “Escuta Periphérica”
As contribuições teóricas de Jairo Carioca convergem para a formulação e prática de uma “Escuta periphérica”, um conceito que reorienta o fazer psicanalítico em direção às margens sociais e epistêmicas. Esta abordagem se define por um esforço ativo de “romper com paradigmas hegemônicos” da psicanálise tradicional, buscando um “enraizamento” em contextos periféricos. Tal movimento implica uma crítica às tradições psicanalíticas frequentemente percebidas como eurocêntricas ou enviesadas por perspectivas de classe.
A análise ancora-se na “interseção entre psicanálise, racismo estrutural, capitalismo e patriarcado”, demonstrando um compromisso com a compreensão de como múltiplas formas de opressão se entrelaçam para moldar a subjetividade e o sofrimento social. Crucialmente, a periferia é ressignificada, passando de um lugar de carência para um “espaço de resistência cultural e produção subjetiva”, um lócus de agência e criatividade.
Diálogos teóricos e influências fundamentais
A construção dessa psicanálise periphérica se nutre do diálogo com diversas correntes de pensamento. Há uma interlocução com a psicanálise lacaniana, cujos conceitos são apropriados criticamente. Uma influência marcante é a da pensadora afro-brasileira Lélia Gonzalez, cujo conceito de “amefricanidade” é articulado com noções lacanianas como sinthoma e lalangue, buscando fundamentar uma psicanálise informada pelo feminismo negro latino-americano. O pensamento de Frantz Fanon, com sua ênfase no racismo e colonialismo, e a filosofia educacional de Paulo Freire também são convocadas.
O papel do “psicanalista periphérico”
O psicanalista que opera a partir dessa perspectiva é concebido como um “agente de transformação social e subjetiva”, com a capacidade de “amplificar vozes e experiências das margens”. Este papel transcende a figura do clínico tradicional, pois o psicanalista periphérico se torna um sujeito político. Sua prática visa subverter “a lógica colonial”, propondo uma psicanálise que “ressignifica o sofrimento como potência de resistência e reinvenção”. O envolvimento de Oliveira em coletivos como o PUD e seus escritos críticos reforçam essa dimensão.
Uma característica central é a ressignificação do trauma e do sofrimento, transformando a dor e a opressão em agência e resistência. Seu livro “O EU RASURADO” não se limita a narrar as dores, mas as transforma em potência criativa e subversão.
Crítica à psicanálise tradicional e o “empretecimento” da psicanálise
A necessidade de uma “travessia – da escuta adestrada ao psicanalista periphérico” sugere que a escuta psicanalítica convencional pode ser insuficiente ou cúmplice na manutenção de estruturas opressoras. “O EU RASURADO” rompe explicitamente com os “discursos higienizados da psicanálise clássica”. Um aspecto crucial dessa abordagem é o que se pode denominar um “empretecimento” da psicanálise, um esforço ativo para transformar a própria psicanálise, infundindo-a com perspectivas, teorias e epistemologias negras, visando descolonizá-la e desafiando sua branquitude histórica.